Hoje em dia, a preocupação com o ecossistema é conhecida no ambiente acadêmico. Ela é presente em artigos, teses e eventos. Na mídia, vemos muitas tecnologias sendo destacadas por seus atributos sustentáveis e nos conscientizamos progressivamente da escassez dos recursos fundamentais que mantêm a nossa sociedade.
Acho que tenho confiança de que, pelo menos dentro da faculdade, parte significativa das pessoas reconhece a demanda ambiental. E, consequentemente, também entende o meio ambiente pelo menos como um fator a ser ponderado mediante decisões importantes. Até porque, ele é com frequência considerado como uma questão de sobrevivência da humanidade.
Paralelamente, esse mesmo tema nem sempre ganha centralidade compatível com a extensão de seu tamanho. Por isso, antes de entrar em assuntos mais complexos, acredito que seja válido revisar algumas das razões para que a preocupação com a preservação ambiental ganhe mais a nossa atenção.
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(Imagem de Rilsonav por Pixabay) |
As civilizações e o meio ambiente.
Um campo intrigante abordado na arqueologia é aquele que tenta entender por qual razão determinadas civilizações desapareceram. Ao longo da história humana, há vários exemplos de povos que entraram em colapso. O mais famoso deles, talvez, seja o do Império Maia. Localizado em regiões da Guatemala, Honduras e México, ele desapareceu antes da chegada europeia à América. Como citado pela Veja, apesar das divergências sobre a especificidade do que contribuiu para a ruína dessa civilização, a maioria das teorias mais divulgadas concordam que as alterações ambientais foram determinantes para esse processo.Essa concepção talvez concorde com o trabalho de Jared Diamond, em sua obra Colapso. É com base nos estudos dele que Marco Aurélio Cremasco sinaliza 6 fatores que comumente participaram da destruição de povos como os maias, os anasazis (sudoeste dos EUA) e os vikings (Groenlândia Nórdica), também desaparecidos. Eles são:
Uma outra observação válida é a transformação das vulnerabilidades humanas ao longo da história. Nos últimos séculos, as limitações do solo, da distribuição hidrográfica, e dos efeitos do aumento demográfico foram, aos poucos, transformados pelas tecnologias desenvolvidas. Dessa forma, os antigos problemas foram sendo minimizados, para que outros pudessem aparecer diante do mar de novidades tecnológicas que vivenciamos na atualidade. Problemas estes que, diferente dos anteriores, não conhecemos tão bem. Mas nem por isso estamos totalmente despreparados para lidar com eles.
- o desmatamento e a destruição do habitat;
- a erosão, salinização e perda de fertilidade do solo;
- a gestão de recursos hídricos prejudicada, muito possivelmente sob a influência de estiagens;
- caça e pesca abusivas;
- introdução de espécies animais não nativas e;
- aumento demográfico além da capacidade do ambiente;
Uma outra observação válida é a transformação das vulnerabilidades humanas ao longo da história. Nos últimos séculos, as limitações do solo, da distribuição hidrográfica, e dos efeitos do aumento demográfico foram, aos poucos, transformados pelas tecnologias desenvolvidas. Dessa forma, os antigos problemas foram sendo minimizados, para que outros pudessem aparecer diante do mar de novidades tecnológicas que vivenciamos na atualidade. Problemas estes que, diferente dos anteriores, não conhecemos tão bem. Mas nem por isso estamos totalmente despreparados para lidar com eles.
Um pouco sobre o ambiente, energia e o tempo.
Há dois exemplos curiosos reunidos no estudo realizado por Estela Ferreira em sua dissertação de mestrado pela USP. O primeiro, na Grécia, refere-se a uma dificuldade enfrentada por suas cidades-estado. Parece que na antiguidade, quando estas começaram a sofrer com a escassez de madeira, Aristóteles recomendou que elas passassem a preservar as florestas pela força da lei. Desse modo, ainda no século IV a.C, muitas delas aderiram leis de proteção e regulamentaram o uso da lenha. Já o segundo exemplo refere-se ao Império Romano e a uma de suas dinâmicas comerciais. É dito que a falta de madeira no império fazia com que esse material fosse trazido de longe para atender as demandas internas. E que, apesar de pouco se saber sobre esse comércio madeireiro romano, ele pode ter contribuído para impulsionar iniciativas como a reciclagem de vidro, feita em Roma, com o objetivo de economizar energia.
É bom ressaltar que da Idade do Bronze (~4.000 a.C - 1.200 a.C) até o séc XIX, a madeira foi a principal fonte de energia de quase todas as sociedades. Com o surgimento das petroleiras nos Estados Unidos, a partir de 1850, esse cenário começou a mudar. As comunidades acrescentaram um novo objeto de exploração, sem que o anterior tivesse sido descartado. Dessa maneira, ao passo que a demanda por lenha ocasiona em desmatamentos problemáticos, o uso do petróleo, por sua vez, ocasiona vazamentos cujos danos não têm precedentes. Por isso, essa atividade, assim como o desmatamento, também foi regulamentada, mas isso não quer dizer que os danos enormes (em ambos os casos) tenham deixado de existir.
Outro efeito dessa recente alteração são as relações comerciais de energia. No séc. XX, houve três crises do petróleo, dentre elas, duas somente na década de 1970. A descoberta de que os combustíveis fósseis não eram renováveis, aliada às desestabilizações e desacordos entre os grandes produtores de petróleo, manipulou o preço do produto, levando-o a marcas muito altas. Assim, a economia de vários países foi consideravelmente abalada pelo comportamento de poucas nações. O oligopólio petroleiro, de fato, potencializa a dependência econômica associada à importação. De modo que, a estabilidade nacional passa a ser influenciada por outros atores como OPEP, UE, EUA, Rússia e China. Isso nos leva a uma outra questão que vale a pena comentar: a globalização.
As implicações disso no estudo de civilizações estão relacionadas à possibilidade de que a proximidade dessas nações viabilizasse a propagação de crises devido à vulnerabilidade gerada por suas interdependências. Deste modo, a principal contribuição desses pesquisadores para a investigação do desaparecimento de grupos antigos estaria pautada na indicação do fator globalizador como contribuinte para o colapso de sociedades.
Essa possibilidade nos traz rapidamente de volta aos dias atuais, onde a nossa interconexão é muito mais intensa e as relações internacionais ganham paulatinamente mais atenção. Os problemas são compartilhados, inclusive os relacionados diretamente ao meio ambiente, e frequentemente movimentam autoridades em todo o globo.
Um dos exemplos mais claros que temos dessa situação é o da deterioração da camada de ozônio. Motivado por uma preocupação global, o Protocolo de Montreal, que propunha a redução de produção e comercialização dos CFC’s (clorofluorcarbonetos), foi assinado por cento e cinquenta países em 1987. A partir das medidas propostas nele, com o tempo, a camada de ozônio começou a se recuperar e o foco saiu dela para outras demandas ambientais. Porém, como é mostrado pela BBC, um estudo do Reino Unido identificou que emissões de CFC ainda estavam sendo feitas na China em 2019. O CFC-11, usado na produção de espumas para aquecimento, deveria ter tido sua produção encerrada, em tese, em 2010.
Mais recentemente, a pressão internacional sobre a política ambiental brasileira gerou instabilidades no governo federal. A insatisfação com as medidas de preservação no Brasil causou pessimismo em relação ao agronegócio nacional, possivelmente ameaçado devido à postura governamental em relação à preservação de florestas. Essa, diga-se de passagem, não foi a primeira vez em que o país se viu em posição desconfortável devido à esta mesma pasta nos últimos anos. Casos como esse são apenas pedaços de múltiplas tensões que ocorreram recentemente sobre o assunto e que devem continuar ocorrendo enquanto a ideia de que o cuidado ecológico é inimigo das indústrias perdurar entre meios poderosos da sociedade. Não é raro, como se vê, que a preocupação com o desempenho econômico ofusque outros problemas durante os debates, tanto aqui no Brasil, quanto em várias outras partes do mundo. Por isso, do ponto de vista mais pessoal, é bom que comecemos a reconhecer isso e a nos preparar para, talvez, quem sabe, um dia também encarar essa situação.
É bom ressaltar que da Idade do Bronze (~4.000 a.C - 1.200 a.C) até o séc XIX, a madeira foi a principal fonte de energia de quase todas as sociedades. Com o surgimento das petroleiras nos Estados Unidos, a partir de 1850, esse cenário começou a mudar. As comunidades acrescentaram um novo objeto de exploração, sem que o anterior tivesse sido descartado. Dessa maneira, ao passo que a demanda por lenha ocasiona em desmatamentos problemáticos, o uso do petróleo, por sua vez, ocasiona vazamentos cujos danos não têm precedentes. Por isso, essa atividade, assim como o desmatamento, também foi regulamentada, mas isso não quer dizer que os danos enormes (em ambos os casos) tenham deixado de existir.
Outro efeito dessa recente alteração são as relações comerciais de energia. No séc. XX, houve três crises do petróleo, dentre elas, duas somente na década de 1970. A descoberta de que os combustíveis fósseis não eram renováveis, aliada às desestabilizações e desacordos entre os grandes produtores de petróleo, manipulou o preço do produto, levando-o a marcas muito altas. Assim, a economia de vários países foi consideravelmente abalada pelo comportamento de poucas nações. O oligopólio petroleiro, de fato, potencializa a dependência econômica associada à importação. De modo que, a estabilidade nacional passa a ser influenciada por outros atores como OPEP, UE, EUA, Rússia e China. Isso nos leva a uma outra questão que vale a pena comentar: a globalização.
Globalizando necessidades.
Um estudo do PNAS (Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America) investigou a possibilidade de sincronização do consumo de energia entre civilizações humanas. Basicamente, a pesquisa indica que quanto maior a interação entre os povos, maior a tendência de que o consumo de energia deles seja parecido. Assim, as sociedades antigas que estavam mais próximas (logo, tinham a tendência de interagirem com maior frequência), apresentavam resultados mais semelhantes aos de suas vizinhas do que de organizações humanas mais distantes.As implicações disso no estudo de civilizações estão relacionadas à possibilidade de que a proximidade dessas nações viabilizasse a propagação de crises devido à vulnerabilidade gerada por suas interdependências. Deste modo, a principal contribuição desses pesquisadores para a investigação do desaparecimento de grupos antigos estaria pautada na indicação do fator globalizador como contribuinte para o colapso de sociedades.
Essa possibilidade nos traz rapidamente de volta aos dias atuais, onde a nossa interconexão é muito mais intensa e as relações internacionais ganham paulatinamente mais atenção. Os problemas são compartilhados, inclusive os relacionados diretamente ao meio ambiente, e frequentemente movimentam autoridades em todo o globo.
Um dos exemplos mais claros que temos dessa situação é o da deterioração da camada de ozônio. Motivado por uma preocupação global, o Protocolo de Montreal, que propunha a redução de produção e comercialização dos CFC’s (clorofluorcarbonetos), foi assinado por cento e cinquenta países em 1987. A partir das medidas propostas nele, com o tempo, a camada de ozônio começou a se recuperar e o foco saiu dela para outras demandas ambientais. Porém, como é mostrado pela BBC, um estudo do Reino Unido identificou que emissões de CFC ainda estavam sendo feitas na China em 2019. O CFC-11, usado na produção de espumas para aquecimento, deveria ter tido sua produção encerrada, em tese, em 2010.
Mais recentemente, a pressão internacional sobre a política ambiental brasileira gerou instabilidades no governo federal. A insatisfação com as medidas de preservação no Brasil causou pessimismo em relação ao agronegócio nacional, possivelmente ameaçado devido à postura governamental em relação à preservação de florestas. Essa, diga-se de passagem, não foi a primeira vez em que o país se viu em posição desconfortável devido à esta mesma pasta nos últimos anos. Casos como esse são apenas pedaços de múltiplas tensões que ocorreram recentemente sobre o assunto e que devem continuar ocorrendo enquanto a ideia de que o cuidado ecológico é inimigo das indústrias perdurar entre meios poderosos da sociedade. Não é raro, como se vê, que a preocupação com o desempenho econômico ofusque outros problemas durante os debates, tanto aqui no Brasil, quanto em várias outras partes do mundo. Por isso, do ponto de vista mais pessoal, é bom que comecemos a reconhecer isso e a nos preparar para, talvez, quem sabe, um dia também encarar essa situação.
Pra finalizar.
Muito se fala sobre o risco associado à exploração inconsequente dos recursos do planeta na atualidade. Mas esse nível de discussão que temos não é suficiente. Se olharmos para nós, hoje, é até possível enxergar a pauta ambiental fazendo parte das relações diplomáticas planetárias. É possível, também, ver algumas tentativas de popularizar esse tema nas escolas brasileiras e, em um núcleo e outro, dá pra afirmar que existe um discurso que parece valorizar o nosso ecossistema. Contudo, por algum motivo — fiquem à vontade para imaginar alguns — há sempre vários tópicos mais protagonistas do que esse pesando as decisões, e algo precisa ser feito sobre isso. Aproveitando aqui o espaço, gostaria de parafrasear e me apropriar das ideias de um dos meus professores e dizer: às vezes, só o que precisamos fazer é assumir uma decisão difícil.Confira também:
Referências
CREMASCO, M. A. Vale a Pena Estudar Engenharia Química, 3ª Edição. São Paulo: Blucher. 2015. pg. 131.
FERREIRA, Estela Maria de Azevedo Nery. Discursos sobre sustentabilidade nas redes sociais digitais: uma análise no Twitter. 2014. Dissertação (Mestrado em Ecologia Aplicada) - Ecologia de Agroecossistemas, Universidade de São Paulo, Piracicaba, 2014. doi:10.11606/D.91.2014.tde-19032014-105120. Acesso em: 2020-07-23.
FERREIRA, Estela Maria de Azevedo Nery. Discursos sobre sustentabilidade nas redes sociais digitais: uma análise no Twitter. 2014. Dissertação (Mestrado em Ecologia Aplicada) - Ecologia de Agroecossistemas, Universidade de São Paulo, Piracicaba, 2014. doi:10.11606/D.91.2014.tde-19032014-105120. Acesso em: 2020-07-23.
Ecycle: Sustentabilidade: origens históricas para a criação do conceito.
Veja: Fim do império maia; Pressões exteriores e o agronegócio no Brasil;
Superinteressante: Por que morrem as civilizações
Fragmaq: Principais consequências de poluição ambiental provocadas pelo petróleo
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