No mês passado, eu tive o privilégio de dar uma palestra sobre meio ambiente para alunos de medicina veterinária da UNA Linha Verde, em Belo Horizonte. No evento, falei um pouco sobre tecnologias limpas e os conceitos de sustentabilidade.
Como o meu público estava diretamente ligado à vida animal, tive que investigar as questões ambientais além da minha zona de conforto, onde o cuidado com o ecossistema é visto sob perspectivas econômicas e de otimização de processos. Neste artigo, eu gostaria de compartilhar rapidamente algumas das ideias apresentadas nesse evento, especialmente da perspectiva do que eu aprendi, tentando compreender um pouco mais sobre o mundo da medicina veterinária!
Quando fui convidada para dar essa palestra, o tema geral que eu deveria atender era o meio ambiente. Dentro deste assunto, muitas abordagens são possíveis. Algumas delas, inclusive, foram tratadas em posts anteriores do blog. Já falamos sobre a escala global das pautas ambientais, dos plásticos, das águas e da química verde.
No entanto, enquanto eu me sinto mais confortável falando de processos químicos e físicos industriais, confesso que sei menos sobre assuntos relacionados à biodiversidade da vida no planeta. Tenho muito mais clareza sobre as vantagens ambientais relacionadas à instalação de usinas hidrelétricas, do que sobre as desvantagens — que incluem, diga-se de passagem, a destruição de habitats naturais.
Portanto, eu certamente teria muito mais a ouvir deles sobre preservação da vida animal do que a dizer. Ainda assim, precisava que houvesse engajamento. Se fosse para apresentar um tema, este teria que ser relevante para a minha audiência. Foi dessa forma que acabei conhecendo outros aspectos da sustentabilidade que não eram tão comuns para mim. Espero conseguir compartilhar com vocês um pouco disso neste texto.
Apesar das ‘tecnologias limpas’ serem avaliadas de acordo com as possibilidades econômicas, ambientais e sociais da humanidade em um dado estágio de desenvolvimento. Ainda são precisos mais esforços para que o sofrimento de animais, não-humanos e sencientes, seja incluído nesta análise.
A senciência está relacionada à capacidade de ter percepções e sentimentos conscientes. Esta característica não é exclusiva do ser humano e é compartilhada por várias outras espécies animais. Além da perspectiva ética, a forma como estes animais são entendidos pela humanidade também faz diferença na forma como a preservação ambiental é implementada.
Este assunto, inclusive, é um dos pontos discutidos no trabalho de Eija e Markus Vinnari (2022) ‘Making the invisibles visible: Including animals in sustainability (and) accounting’. No texto, os autores mencionam que uma enorme parte da população terrestre, formada pelos animais de criação em fazendas, é negligenciada pela humanidade e tem sido tratada com crueldade por muitos anos.
Afinal, como é possível cuidar do planeta se o sofrimento animal não é considerado? Os animais podem mesmo ser considerados como os demais recursos naturais são considerados atualmente? Eles são diferentes da humanidade ou um grupo maior no qual estamos contidos?
Não é o objetivo discutir essas questões aqui, mas convido todos a lerem o artigo e a formarem suas próprias opiniões sobre o assunto. Do meu ponto de vista como engenheira química, quando consideramos estes outros parâmetros nos projetos de processos industriais, o conhecimento da medicina veterinária e das demais áreas das ciências biológicas torna-se fundamental. O que reforça a importância da multidisciplinaridade na abordagem das demandas ambientais.
Uma das alternativas disponíveis na literatura propõe o aproveitamento de sobras, como resíduos de colheitas e industriais, além de outros recursos que não são consumidos por humanos, como a grama, para alimentar animais de fazenda. Assim, fontes de biomassa que não são utilizadas como alimento humano seriam convertidas em produtos alimentícios a partir desses animais, mitigando riscos de insegurança alimentar humana resultantes da competição por recursos naturais terrestres.
Como Muscat et. al (2020) discute, a redução da participação de alimentos em competição na dieta dos animais da atividade pecuária tem potencial para melhorar o desempenho ambiental em termos de emissões de gases de efeito estufa; de desmatamento; de erosão do solo provocada por água; de uso de pesticidas, de recursos hídricos e de gasto de energia não-renovável. Porém, o bem-estar desses animais — e de outras espécies que podem ser indiretamente afetadas por essas medidas — não é mencionado nesta discussão.
Uma visão apropriada e abrangente dos possíveis tipos de sofrimento que nossas ações podem causar à natureza pode fazer com que medidas sustentáveis mais efetivas sejam adotadas. Além disso, faz com que o leque da discussão seja expandido para um território mais amplo de ideias, em que se discute o que a humanidade pode fazer para proteger e beneficiar estes animais, em vez de constantemente procurar, em primazia, ser protegida e beneficiada por eles.
Quanto a você, o que achou disso tudo? Acha que vale mais a pena trazer essa discussão para os tópicos de sustentabilidade ou acha que deveríamos seguir por outro caminho? Não deixe de me escrever, adoraria conhecer outras opiniões!
MUSCAT, Abigail et al. The battle for biomass: A systematic review of food-feed-fuel competition. Global Food Security, v. 25, p. 100330, 2020.
VINNARI, Eija; VINNARI, Markus. Making the invisibles visible: Including animals in sustainability (and) accounting. Critical Perspectives on Accounting, v. 82, p. 102324, 2022.
Como o meu público estava diretamente ligado à vida animal, tive que investigar as questões ambientais além da minha zona de conforto, onde o cuidado com o ecossistema é visto sob perspectivas econômicas e de otimização de processos. Neste artigo, eu gostaria de compartilhar rapidamente algumas das ideias apresentadas nesse evento, especialmente da perspectiva do que eu aprendi, tentando compreender um pouco mais sobre o mundo da medicina veterinária!
O que dizer para a medicina veterinária?
Cole Nussbaumer Knaflic, em seu livro ‘Storytelling com dados’ (2019), diz que ao fazermos uma comunicação, é necessário ter uma noção clara da razão pela qual o público deve se importar com o que é mostrado em nossas apresentações. Para que isso seja possível, conhecer a quem falamos é essencial.Quando fui convidada para dar essa palestra, o tema geral que eu deveria atender era o meio ambiente. Dentro deste assunto, muitas abordagens são possíveis. Algumas delas, inclusive, foram tratadas em posts anteriores do blog. Já falamos sobre a escala global das pautas ambientais, dos plásticos, das águas e da química verde.
No entanto, enquanto eu me sinto mais confortável falando de processos químicos e físicos industriais, confesso que sei menos sobre assuntos relacionados à biodiversidade da vida no planeta. Tenho muito mais clareza sobre as vantagens ambientais relacionadas à instalação de usinas hidrelétricas, do que sobre as desvantagens — que incluem, diga-se de passagem, a destruição de habitats naturais.
Portanto, eu certamente teria muito mais a ouvir deles sobre preservação da vida animal do que a dizer. Ainda assim, precisava que houvesse engajamento. Se fosse para apresentar um tema, este teria que ser relevante para a minha audiência. Foi dessa forma que acabei conhecendo outros aspectos da sustentabilidade que não eram tão comuns para mim. Espero conseguir compartilhar com vocês um pouco disso neste texto.
Energia, ração e alimentos
Um dos desafios relacionados à produção de biocombustíveis é a competição por biomassa entre alimentos, ração e energia. Essa competição pode ser ilustrada nos seguintes números:- cerca de 40% da terra cultivada no planeta é utilizada para a produção de ração de alta qualidade para animais (especialmente aqueles voltados para a pecuária, que atende a demanda humana por proteína de origem animal);
- cerca de 13% da área de cultivada no mundo é usada para produzir têxteis e combustíveis;
- no Brasil, enquanto cerca de 62% da energia elétrica é transformada a partir de recursos hídricos, aproximadamente 58% das retiradas de água no país, em 2020, foram feitas para suprir a agropecuária;
Figura 1: Diferentes abordagens propostas para a amenização da competição entre energia, ração e alimentos (fonte: autora, elaborado com base em Muscat et. al, 2020). |
Animais e sustentabilidade
Os processos considerados sustentáveis ainda modificam o ecossistema terrestre. Algumas possíveis alterações, como a destruição de habitats naturais, a substituição da vegetação nativa para cultivo de espécies vegetais de interesse comercial, o desvio da trajetória de recursos naturais (como a água), etc; podem causar desequilíbrio ecológico.Apesar das ‘tecnologias limpas’ serem avaliadas de acordo com as possibilidades econômicas, ambientais e sociais da humanidade em um dado estágio de desenvolvimento. Ainda são precisos mais esforços para que o sofrimento de animais, não-humanos e sencientes, seja incluído nesta análise.
A senciência está relacionada à capacidade de ter percepções e sentimentos conscientes. Esta característica não é exclusiva do ser humano e é compartilhada por várias outras espécies animais. Além da perspectiva ética, a forma como estes animais são entendidos pela humanidade também faz diferença na forma como a preservação ambiental é implementada.
Este assunto, inclusive, é um dos pontos discutidos no trabalho de Eija e Markus Vinnari (2022) ‘Making the invisibles visible: Including animals in sustainability (and) accounting’. No texto, os autores mencionam que uma enorme parte da população terrestre, formada pelos animais de criação em fazendas, é negligenciada pela humanidade e tem sido tratada com crueldade por muitos anos.
Afinal, como é possível cuidar do planeta se o sofrimento animal não é considerado? Os animais podem mesmo ser considerados como os demais recursos naturais são considerados atualmente? Eles são diferentes da humanidade ou um grupo maior no qual estamos contidos?
Não é o objetivo discutir essas questões aqui, mas convido todos a lerem o artigo e a formarem suas próprias opiniões sobre o assunto. Do meu ponto de vista como engenheira química, quando consideramos estes outros parâmetros nos projetos de processos industriais, o conhecimento da medicina veterinária e das demais áreas das ciências biológicas torna-se fundamental. O que reforça a importância da multidisciplinaridade na abordagem das demandas ambientais.
Um exemplo (quase) palpável
Em ‘The battle for biomass: A systematic review of food-feed-fuel competition’, de Muscat et. al, (2020); são discutidas medidas que podem ser adotadas para lidar com a competição por matéria-prima entre os setores de alimentação, ração e combustível. Algumas delas já foram introduzidas a partir da Figura 1, elaborada com base no artigo.Uma das alternativas disponíveis na literatura propõe o aproveitamento de sobras, como resíduos de colheitas e industriais, além de outros recursos que não são consumidos por humanos, como a grama, para alimentar animais de fazenda. Assim, fontes de biomassa que não são utilizadas como alimento humano seriam convertidas em produtos alimentícios a partir desses animais, mitigando riscos de insegurança alimentar humana resultantes da competição por recursos naturais terrestres.
Como Muscat et. al (2020) discute, a redução da participação de alimentos em competição na dieta dos animais da atividade pecuária tem potencial para melhorar o desempenho ambiental em termos de emissões de gases de efeito estufa; de desmatamento; de erosão do solo provocada por água; de uso de pesticidas, de recursos hídricos e de gasto de energia não-renovável. Porém, o bem-estar desses animais — e de outras espécies que podem ser indiretamente afetadas por essas medidas — não é mencionado nesta discussão.
Uma visão apropriada e abrangente dos possíveis tipos de sofrimento que nossas ações podem causar à natureza pode fazer com que medidas sustentáveis mais efetivas sejam adotadas. Além disso, faz com que o leque da discussão seja expandido para um território mais amplo de ideias, em que se discute o que a humanidade pode fazer para proteger e beneficiar estes animais, em vez de constantemente procurar, em primazia, ser protegida e beneficiada por eles.
Quanto a você, o que achou disso tudo? Acha que vale mais a pena trazer essa discussão para os tópicos de sustentabilidade ou acha que deveríamos seguir por outro caminho? Não deixe de me escrever, adoraria conhecer outras opiniões!
Referências
KNAFLIC, Cole Nussbaumer. Storytelling com dados: um guia sobre visualização de dados para profissionais de negócios. Alta Books, 2019.VINNARI, Eija; VINNARI, Markus. Making the invisibles visible: Including animals in sustainability (and) accounting. Critical Perspectives on Accounting, v. 82, p. 102324, 2022.
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