Você conhece a história da Indústria Química?

A engenharia química tem história e nós, engenheiros, deveríamos conhecê-la. Afinal, todas as conquistas das quais desfrutamos vieram de algum lugar. 

Conhecer os processos de desenvolvimento das tecnologias do nosso setor pode nos ajudar a transformar as tendências da área em realidade. Por isso, o objetivo desse texto é apresentar um pouquinho da história da indústria química moderna, suas etapas, transformações e contribuições para o mundo em que vivemos hoje. 

***Baseado no Capítulo 6 do livro Vale a Pena Estudar Engenharia Química, de Marco Aurélio Cremasco. 3ª edição (2015).  

Fábrica próxima a trilhos de trem à noite. As luzes se realçam no período noturno.
(Imagem de Rudy and Peter Skitterians por Pixabay)

Era uma vez… 

Um inglês que buscava sintetizar o quinino, um antimalárico, a partir da toluidina (derivada de um líquido viscoso com cheiro de naftalina). Era 1856 e William Perkin, como muitos de nós, não se deu muito bem nessa experiência de laboratório. 

O resultado que obteve foi uma coisa pastosa marrom-avermelhada que não suscitava nenhum interesse. Resiliente, ele tentou outra vez utilizando a anilina como matéria-prima. O produto obtido consistiu em sólidos que, aparentemente, não serviam para nada. 

Entretanto, ao lavar a vidraria onde estavam os sólidos, Perkin notou que o líquido assumia uma coloração roxa muito viva. Assim, nascia ali o primeiro corante sintético: a malva. Desse processo surgiu não somente uma patente, como também uma fábrica. É importante ressaltar que William Perkin, o chamado ‘pai da Indústria Química moderna’, contribuiu estabelecendo a produção em grande escala para as suas descobertas — em 1871, sua fábrica produzia cerca de 220 toneladas ao ano. 

Para você ter uma ideia do quão rápido a indústria dos corantes floresceu em solo inglês, somente entre 1859 e 1861 foram concedidas 26 patentes relacionadas à produção desse tipo de produto no país. Porém, eles não pararam por aí. Em 1870, a produção nacional chegava a 590 mil toneladas por ano para o ácido sulfúrico e 304 mil toneladas ao ano para a soda cáustica. 

Apesar do pioneirismo inglês, ao final do século XIX, a indústria química já tinha outro protagonista. É dele que falaremos a seguir. 

Indústria Química? De quem?

Se o advento da indústria dos corantes é dos ingleses, a multiplicação é dos alemães. Tanto é que depois da década de 1870, a Alemanha liderou o campo da indústria química mundial até a Segunda Grande Guerra. O ponto mais interessante aqui é que, de certo modo, o berço já estava preparado para que isso acontecesse.

Em 1830, houve a criação das Faculdades de Tecnologia ou Escolas Politécnicas no país germânico. Esse fator fez com que a nação passasse a ser considerada a mais avançada do mundo. Aliado a isso, o sistema educacional nos níveis médio e fundamental era considerado como um dos melhores da Europa, ao contrário da Inglaterra, a principal concorrente na época. Tudo isso contribuiu para que a indústria germânica fosse tecnicamente mais preparada, tendo uma atenção especial com os profissionais da química. 

Quando se diz que o boom dos corantes é alemão, é justamente porque as grandes indústrias químicas alemãs nasceram dos corantes. Nesse contexto é possível citar muitos nomes conhecidos como a Bayer (1863), a Hoescht (1863), a BASF (1867), e a Agfa (1867). Esse ambiente inovador propiciou muitas novas descobertas. Foi na Alemanha, por exemplo, que a síntese direta da amônia foi desenvolvida por Fritz Haber, em 1910. Essa descoberta é tão relevante que rendeu dois prêmios Nobel: o primeiro em 1918, para Fritz, e o segundo em 1931, para Carl Bosch, pelo processo Haber-Bosch que possibilitou a produção do composto em escala industrial. 

A Primeira Grande Guerra.

Com a Primeira Guerra Mundial, a indústria alemã que tinha muito trabalhado em corantes, diversificou-se na produção bélica, farmacêutica e da borracha sintética. Contudo, com o Tratado de Versalhes, a Alemanha foi fatalmente enfraquecida. As imposições dos países aliados, dentre os quais destacam-se França, Inglaterra (o Império Britânico), Itália e Estados Unidos; aos alemães foram as seguintes:
  • a perda do domínio sobre fábricas localizadas nos países aliados;
  • a revelação dos detalhes de todos os processos químicos desenvolvidos pelo país;
  • a destruição das fábricas que produziram para atender a guerra; 
  • a entrega voluntária do estoque disponível de medicamentos e corantes; 
  • o fornecimento de parte da produção aos países vencedores a preço mínimo de mercado por pelo menos cinco anos;
Um golpe duro, mas que impulsionou a formação da IG Farben em 1925. A IG Farben era uma sociedade que contava com empresas como a Basf, a Bayer e a Hoescht. Por meio dessa associação, muitos outros processos transformadores foram descobertos. Dentre eles é possível citar a produção do metanol a partir do coque, da gasolina a partir do carvão e das fibras de PVC a partir do cloreto de vinila. Portanto, mesmo com todas as imposições favoráveis aos principais concorrentes mundiais — como a Inglaterra — o domínio alemão na indústria química só mudou de dono após a Segunda Grande Guerra.

Acredito que nesse ponto dessa publicação, a gente pouco tenha falado sobre poderio político. Contudo, acho que isso ficará daqui para frente. O surgimento dos Estados Unidos da América como líderes desse setor não foi acidental. Na verdade, ele acompanha uma das transições mais marcantes de nossa história recente: o nascimento das petroleiras.

As petrolíferas.


Máquina ao pôr do sol.
(Imagem de drpepperscott230 por Pixabay)

Certa vez, um camarada chamado George Bissel procurou um certo Benjamin Silliman para conversar. Bissel tinha um ‘feeling’ e achava que Silliman, por ser professor de química e geologia em Yale, poderia ajudá-lo. A impressão que possuía era de que, de algum jeito, talvez fosse possível converter petróleo em querosene (que era usado para acender lamparinas). 

Era início da década de 1850, o professor confirmou essa intuição e começava, ali, a trabalhar nela. Em 1853, o querosene foi destilado do petróleo e, em 1855, também foram o alcatrão e o naftaleno.

A primeira companhia de petróleo do mundo, chamou-se Pennsylvania Rock Oil Company. Sua fundação data de 1854, e seu fechamento de 1858. Apesar do início desanimador, o número de refinarias multiplicou-se nos Estados Unidos, apesar de equipamento e qualidade limitados. A capacidade máxima dos alambiques era de 100 barris por dia que produziam 3 camadas de destilados diferentes.

Um oligopólio.

Há coisas que são evidentes à primeira vista, mas que são importantes. É necessário lembrar que mercado da indústria não é um mercado fácil de se empreender. Os equipamentos são extremamente caros, e as empresas do setor (químico e petroquímico) possuem características de inovação e otimização muito fortes. Logo, elas demandam e investem bastante em pesquisa historicamente.

Isso faz com que sejam negócios de alto investimento, afinal, para concorrer nesse meio você não precisa apenas de vencer as burocracias, de adquirir equipamentos caríssimos, de pagar alto por mão-de-obra qualificada ou de ter um capital de giro razoável para sobreviver. Você precisa ter investimento disponível para otimizar o seu processo e para criar e adaptar produtos com qualidade continuamente. Consequentemente, esse setor é muito menos receptivo a novas marcas, o que favorece que as indústrias mais antigas se perpetuem.

Um exemplo curioso disso é a Exxon Mobil, a terceira maior petroleira do mundo em 2024. As origens desse empreendimento estão em John Rockefeller, um cidadão que em 1870 fundou a Standard Oil Company nos EUA. Dez anos após seu início, Rockefeller já detinha 80% de toda a capacidade de refino do país, tornando-se a pessoa mais rica do planeta. 

Esse controle não durou muito tempo (ou durou, depende do ponto de vista). Em 1911, por decisão da Corte americana, a Standard Oil Company foi dividida em várias empresas. Foi do meio destas que saiu a Standard Oil of New Jersey, pessoa jurídica que, após ser adquirida pela Esso passou a ser chamada de Exxon. 

Paralelamente, a Standard Oil of New York, irmã da Standard Oil of New Jersey, fundiu-se com a Vacuum Company para formar a Socony-Vacuum, que em 1966 se tornou a Mobil Oil Corporation. Em 1998, a Exxon comprou a Mobil por US$82,8 bilhões, criando o que, na época, foi considerada a terceira maior empresa do mundo.

A indústria e a história.

Pós Primeira Grande Guerra, o Tratado de Versalhes tornou a situação da indústria química na Alemanha muito complicada. Uma das estratégias de sobrevivência do setor no país foi a criação de sociedades como a IG Farben. A IG Farben foi a associação que desenvolveu o processo de hidrogenação a alta temperatura do carvão em pó, cuja licença foi comprada pela Standard Oil of New Jersey.

Esta compra possibilitou que a predecessora da Exxon obtivesse domínio dos processos de hidrogenação a alta pressão que favoreceram a aviação britânica durante a Segunda Grande Guerra. Após o conflito, a indústria química alemã perdeu a liderança global para os Estados Unidos. Esse foi o precedente para que o petróleo se tornasse a principal fonte de energia que possuímos atualmente. 

Todavia, o setor energético não foi o único impactado. Esta mudança também impulsionou a indústria de materiais que, naquela época, também fez grandes descobertas: os plásticos

Garrafas plásticas de água mineral vazias, jogadas em fundo branco. Uma delas totalmente amassada na horizontal.
(Imagem de LillyCantabile por Pixabay)

Vamos jogar...

Conversar sobre a origem dos plásticos, é conversar sobre sinuca. O jogo de bilhar, originalmente uma diversão de ricos, tornou-se progressivamente popular a partir do séc. XIX. Esse fato contribuiu para que as bolas de marfim fossem adotadas, com certa facilidade, nos séculos anteriores. Até porque, esse material ficava muito mais bonito do que a madeira — utilizada para a fabricação dos objetos esféricos.

O marfim, em si, também possui características que favorecem essa aplicação. Já que a sinuca é um jogo de colisões, sua resistência à deformação é muito útil para esse contexto. Todavia, o material não é indestrutível. Com o tempo, as bolas de marfim amarelavam e, caso fossem expostas à umidade do ar ou fossem sujeitas a altas aplicações de força, elas rachavam. Assim, quando a popularização da sinuca começou a ocorrer mais fortemente, um problema tornou-se evidente nessa dinâmica: a ameaça à sobrevivência dos elefantes.

A caça para comércio ilegal de marfim — retirado das presas desses animais — ameaça a existência de espécies de elefantes africanos ainda hoje. No final de 2019, já éramos alertados sobre a possibilidade de extinção desses mamíferos devido a essa prática abusiva. E é nesse cenário, você acredite ou não, que começa a história dos plásticos na sociedade pós-moderna.

O celuloide e o bilhar.

Estávamos na segunda metade do século XIX, a diminuição da manada de elefantes na África incomodava. Um dos maiores fabricantes de bolas de bilhar dos EUA resolveu oferecer um prêmio para quem conseguisse achar um substituto para o marfim em sua fabricação. Dois caras chamados John e Isaiah Hyatt descobriram, em 1863, que se misturassem nitrato de celulose e cânfora com álcool, sob aquecimento e pressão, obteriam um plástico com a carinha de quem poderia virar uma bola de bilhar.

Mas eles estavam um pouco equivocados. O nitrato de celulose é um composto de amplas aplicações que vão desde carreteis de filme a teclados de piano. O principal problema desse termoplástico é a sua enorme flamabilidade. Por isso, ocasionalmente, as bolas de bilhar produzidas a partir dele explodiam.

Diante dessa situação, os Hyatt não ganharam o prêmio. Porém, eles patentearam em 1870 o plástico que criaram, e o nome dado foi ‘celuloide’. Ainda no final daquele século, esse novo material já era usado em colarinhos e punhos de camisas masculinas, em dentaduras, em cabos de faca, na fabricação de dados e em canetas-tinteiro. E, bem, esse sucesso era apenas o começo.

A multiplicação.

Em 1884, Hilaire de Chardonnet, um dos assistentes de Louis Pasteur, preparou um colódio dissolvendo a pasta de folhas de amoreira em éter e álcool. Desse experimento resultaram filamentos de fibra, que originaram o que foi chamado de ‘rayon’. Nascia assim a primeira seda artificial na Indústria Têxtil. Todavia, havia um problema: o rayon de Chardonnet também usava nitrato de celulose, ou seja, também era terrivelmente inflamável. Mas esse empecilho não durou muito. Atualmente, com o desenvolvimento da pesquisa em polímeros, têm-se os rayons de acetato e o rayon viscose. 

A principal diferença entre eles está em suas rotas produtivas. Enquanto o processamento da viscose se inicia em um banho de NaOH seguido por subprocessos de moagem, sulfurização, maturação e, finalmente, extrusão. O processamento do acetato se inicia em um banho de ácido sulfúrico, seguido pela diluição em acetona, pela extrusão e, no fim, pela operação de evaporação da acetona.

Daí em diante, muita coisa aconteceu. Em 1930, Wallace Hume Carother iniciou um projeto de investigação com o objetivo de compreender polímeros naturais como a borracha, a celulose e a seda. Dessa maneira, ele buscava expandir o escopo de produção de materiais sintéticos da DuPont, a mesma empresa que foi responsável pelo desenvolvimento do teflon. Em 1931, Carother descobriu o cloropreno, de onde saiu a borracha sintética de nome neopreno. E em 1935, esse mesmo químico desenvolveu o nylon. 

Os premiados.

O famoso polietileno data de 1933. Sua descoberta é relacionada a uns químicos britânicos do Imperial Chemical Industrial (ICI). O produto despertou curiosidade da Companhia Britânica de Construção e Manutenção de Telégrafo que tinha a intenção de usá-lo como isolante na produção de cabos de telégrafos subaquáticos.

Vinte anos depois, numa tentativa de produzir polietileno em pressões mais baixas, um camarada chamado Karl Ziegler trabalhou em novos catalisadores. O resultado da reação proposta por ele consistia em um polietileno de alta massa molecular, alto ponto de fusão e de geometria molecular linear. Essas características citadas são semelhantes as dos tais ‘polietilenos lineares de alta densidade’.

Com larga aplicação, que vai desde embalagens a produtos fármacos, o polietileno atraiu pesquisadores. Um dos resultados dessa interação foi o ‘polietileno verde’. Este composto é um bioplástico produzido a partir da cana-de-açúcar que mantém as mesmas propriedades e possibilidades de aplicação de seu polímero análogo, de origem fóssil. Hoje, bioplásticos como esse tendem a ser fatores importantes nas discussões focadas nos efeitos negativos dessa classe de polímeros no meio ambiente e nas possibilidades de desenvolvimento sustentável.

Mas isso, sem querer estragar a sequência do texto, é uma conversa para a próxima seção. Agora, ainda estamos juntos do italiano Giulio Natta que aplicou o catalisador de Ziegler na polimerização do propileno, nos dando o polipropileno. Essa iniciativa lhe rendeu um Nobel da Química junto com Karl em 1963.

Os plásticos e o meio ambiente.

Muitos outros sintéticos foram desenvolvidos durante o século XX, o que fez com que o final desse período ganhasse o apelido de ‘Idade do Plástico’. Apesar dos fatores poluentes associados a esse material, suas origens estão relacionadas a outras demandas da humanidade que também incluíam a pauta ambiental

A relação entre o marfim e a sinuca é um exemplo dessa ideia. Hoje, ele foi substituído por resinas plásticas no processo de produção de bolas de bilhar. Esse fato contribui para que medidas de preservação de espécies de elefantes africanos sejam favorecidas. Apesar da caça ilegal continuar sendo uma realidade desafiadora.

Em uma outra mão, a invenção dos isolantes permitiu avanços em termos de economia energética. E as embalagens plásticas são contribuições muito importantes para a cadeia logística de alimentos, sendo o desenvolvimento delas, inclusive, muito importante para a diminuição do desperdício de alimentos produzidos no mundo hoje.

Os inúmeros pontos positivos na utilização de plásticos não exclui, é claro, os demais problemas associados a eles. Desde suas origens fósseis, altamente poluentes, até os desafios de seu descarte que também causa muitos danos ao ecossistema. A insustentabilidade do uso plástico é um dos grandes desafios da engenharia química na sociedade contemporânea. 

A indústria química hoje


Atualmente, a indústria química é responsável por diversos processos fundamentais para que os padrões de vida da sociedade contemporânea sejam possíveis. A complexidade de sua atuação não pode ser justificativa para que a inovação e a busca contínua por rotas produtivas mais sustentáveis sejam interrompidas. A minimização dos impactos negativos sobre o meio ambiente e o meio social desta indústria é essencial para o futuro da humanidade.


Referências

CREMASCO, M. A. Vale a Pena Estudar Engenharia Química, 3ª Edição. São Paulo: Blucher. 2015.
FERREIRA, Estela Maria de Azevedo Nery. Discursos sobre sustentabilidade nas redes sociais digitais: uma análise no Twitter. 2014. Dissertação (Mestrado em Ecologia Aplicada) - Ecologia de Agroecossistemas, Universidade de São Paulo, Piracicaba, 2014. doi:10.11606/D.91.2014.tde 19032014-105120. Acesso em: 2020-07-23.


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